28 de Fevereiro
II Domingo da Quaresma – Ano B
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MissaANTÍFONA DE ENTRADA Salmo 26, 8-9 Ou cf. Salmo 24, 6.3.22 Não se diz o Glória. ORAÇÃO COLECTA LEITURA I Gen 22, 1-2.9a.10-13.15-18 Leitura do Livro do Génesis SALMO RESPONSORIAL Salmo 115 (116), 10 e 15. 16-17.18-19 (R. Salmo 114 (115), 9) Confiei no Senhor, mesmo quando disse: Senhor, sou vosso servo, filho da vossa serva: Cumprirei as minhas promessas ao Senhor LEITURA II Rom 8, 31b-34 Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO EVANGELHO Mc 9, 2-10 Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos Diz-se o Credo. ORAÇÃO DOS FIÉIS Irmãs e irmãos: Iluminados pela transfiguração de Jesus, façamos subir até ao Pai as nossas súplicas pela Igreja, pelo mundo e por nós próprios, dizendo (ou: cantando), com humildade: R. Ouvi-nos, Senhor. Ou: Salvai, Senhor, o vosso povo. Ou: Abençoai, Senhor, a vossa Igreja. 1. Para que as Igrejas do Oriente e do Ocidente tenham confiança no Senhor, como Abraão, e ensinem aos homens a fé que receberam, oremos. 2. Para que o nosso Bispo N., os presbíteros e os diáconos, como os Apóstolos que viram Jesus transfigurado, escutem o Pai, que os convida à santidade, oremos. 3. Para que os cristãos procurem o rosto de Deus, na vida activa, na caridade e na oração, e não esqueçam que a sua pátria está nos Céus, oremos. 4. Para que os homens e as mulheres que têm medo do sofrimento, da doença e da morte descubram Cristo, luz do mundo e salvação, oremos. 5. Para que os membros da nossa assembleia saibam estar ao lado dos mais necessitados, para os ouvir em silêncio e lhes dar as mãos, oremos. Senhor,nosso Deus, que, no monte da transfiguração, nos mandastes escutar o vosso Filho, dignai-Vos ouvir as nossas súplicas e conceder-nos os bens que Vos pedimos. Por Cristo Senhor nosso ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS PREFÁCIO A transfiguração do Senhor ANTÍFONA DA COMUNHÃO Mt 17, 5 ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO |
Excertos do livro “O inédito sobre os Evangelhos”
de autoria do Mons. João Scognamiglio Clá Dias, E.P.
Fazei penitência!
A vestimenta e os hábitos de São João Batista destoavam muito dos costumes daquela sociedade. O contraste dos homens impuros e gananciosos com aquela figura reta, simples, eloquente, e que bradava “Fazei penitência!”, deixava as consciências profundamente abaladas.
I – O mal no universo criado
À medida que progride, a ciência vai desvendando maravilhas insuspeitadas na vastidão sideral. Constantemente se descobrem novos corpos celestes, muitos deles de fulgurante beleza, dispostos em espaços astronômicos fora de qualquer padrão humano, locomovendo-se com velocidades assombrosas, numa delicada e sublime harmonia, reflexo da perfeição do Criador.
Se essa constatação nos causa explicável admiração, consideremos que Deus, em sua onipotência, poderia ter criado infinitos universos, com infinitas outras criaturas, e esses infinitos seres estariam em sua presença por toda a eternidade. Dentro de cada um desses mundos, bem saberia Ele como a História se desenvolveria a cada instante, pois, como sublinha São Pedro na segunda leitura (II Pd 3, 8-14) deste domingo do Advento, “para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (II Pd 3, 8).
É próprio da Providência Divina ordenar os males para o bem
Ora, como conceber que Deus, sendo onipotente e a Bondade em substância, tenha criado este nosso universo onde o pecado pôde se fazer presente já na revolta de Lúcifer, antes da queda de nossos primeiros pais? Por qual razão lhes permitiu Ele a possibilidade de cair? Não teria sido melhor criar uma humanidade incapaz de se deixar arrastar por delírios como a construção da Torre de Babel?
Perguntas como estas afligiram homens de todas as eras e tornam-se pungentes, sobretudo em nossos dias tão marcados pelo hedonismo e pela aversão a qualquer sofrimento. Ante elas cabe lembrar a doutrina de São Tomás de Aquino, segundo a qual “não é incompatível com a bondade divina permitir que haja males nas coisas governadas por Deus”.1
Para justificar sua afirmação, o Doutor Angélico aduz, entre outras razões, a seguinte: “Se o mal fosse totalmente excluído das coisas, daí se seguiria a eliminação de muitos bens. Portanto, não é próprio da Providência Divina excluir todo o mal das coisas, mas sim ordenar a algum bem os males que se produzem”.2
Com grande beleza literária desenvolve este assunto o padre Monsabré: “O mal é, de si, odioso, mas a industriosa Providência sabe tirar dele proveito em favor do bem. Do espetáculo da iniquidade triunfante, Ela faz nascer o desejo de uma perfeição sublime que compensa, aos olhos de Deus, as humilhações de nossa natureza degradada; da perseguição dos maus Ela colhe virtudes heroicas, méritos que não conseguiríamos adquirir numa vida tranquila, sacrifícios sangrentos que, unidos ao Sacrifício da Cruz, enriquecem o precioso tesouro da Redenção; das agressões do erro Ela faz surgir admiráveis manifestações da verdade. A corrupção romana gera o eremitismo da Tebaida, o furor dos carrascos multiplica os mártires, a insolência da heresia chama ao combate os Irineus, os Atanásios, os Hilários, os Cirilos, os Ambrósios, os Agostinhos, os Jerônimos, todo o batalhão sagrado dos Doutores”.3
O mesmo autor acrescenta: “Percorrei a história das catástrofes e nela vereis sempre o mal condenado a favorecer a causa do bem: os erros incitando à procura da verdade, as heresias trazendo à luz os dogmas, as invasões dos bárbaros rejuvenescendo o sangue e as virtudes dos povos, as revoluções flagelando grandes crimes e dando duras e salutares lições à depravação das leis, dos usos e costumes, as perseguições fazendo germinar a gloriosa raça dos mártires, o preço do Calvário consumando a Redenção do mundo”.4
A libertação anunciada por Isaías
Dentre os numerosos episódios do Antigo Testamento em que vemos Deus suscitar o bem dos males que afligiam o povo judeu, basta lembrar, por exemplo, o período do cativeiro no Egito (cf. Ex 1, 8-22), finalizado com Moisés, ou ainda, com maior propriedade, o exílio na Babilônia, ao qual nos remete a primeira leitura (Is 40, 1-5.9-11) deste domingo.
Encontravam-se os judeus sob a férula babilônica, chorando e expiando os pecados cometidos, quando, em certo momento, Deus se compadeceu deles e enviou-lhes o profeta Isaías para anunciar a esperada libertação: “Consolai o meu povo, consolai-o! ― diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida” (Is 40, 1-2).
As palavras do profeta indicam com clareza ter chegado a hora do perdão para o povo de Deus. Ele tomou a iniciativa de tirá-lo do cativeiro, impondo-lhe apenas uma condição: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40, 3-4).
Trata-se aqui de uma linguagem simbólica usada para significar realidades espirituais. Com efeito, o profeta convida seu povo a abater o orgulho, que leva o homem a julgar-se um deus; a atuar com retidão, corrigindo as ideias erradas; e a eliminar as asperezas geradas na alma pelo amor-próprio e pelo egoísmo. Isto feito, estarão criadas as condições para o Criador manifestar sua bondade e seu poder.
Mas a libertação profetizada por Isaías transborda os limites da Antiga Aliança, devendo ser entendida no seu sentido primordialmente messiânico: “Eis o vosso Deus, eis que o Senhor Deus vem com poder, seu braço tudo domina: eis, com Ele, sua conquista, eis à sua frente a vitória. Como um pastor Ele apascenta o rebanho, reúne, com a força dos braços, os cordeiros e carrega-os ao colo; Ele mesmo tange as ovelhas-mães” (Is 40, 9-11).
Assim, a primeira leitura deste domingo, de diáfana e riquíssima simbologia, prepara nossas almas para a chegada do Redentor.
II – A voz que clama no deserto
A Liturgia de hoje nos apresenta o início do Evangelho de São Marcos, chamado por São Justino de Memórias de Pedro,5 pois o Evangelista, discípulo e intérprete do Apóstolo, teve uma só preocupação ao escrevê-lo: inteira fidelidade a tudo quanto ouvira de seu mestre.6
Por isso, comenta um autor do século passado: “Através de seu grego hebraizante, apoiados nos antigos testemunhos e no exame interno do livro, podemos reconhecer emocionados a inconfundível fisionomia de São Pedro […]. Este é o Evangelho de Pedro, composto com singeleza por seu discípulo, sem pretensões literárias, a não ser a de reproduzir as pregações de seu mestre”.7
Muito significativo é o fato de ter sido redigido este segundo sinóptico em Roma, para um ambiente no qual predominavam os gentios convertidos. Com efeito, segundo narra Eusébio de Cesareia,8 a origem deste manuscrito está nos insistentes pedidos feitos a Marcos pelos ouvintes do Príncipe dos Apóstolos. Eles o importunaram com todo gênero de exortações a compor um memorial escrito da doutrina que lhes fora transmitida de viva voz. E não deixaram o Evangelista em paz enquanto este não conseguiu finalizar sua tarefa.
Mensagem central da pregação de São Pedro
1 Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Vivaz e direto como seu mestre, São Marcos começa o relato mostrando já na primeira linha a ideia central que vai orientar e pervadir seu Evangelho: Cristo é verdadeiro Homem e verdadeiro Deus.
Com o intuito de defender diante de seus ouvintes a personalidade divina de Jesus, São Pedro ressaltava em sua pregação o domínio supremo do Filho de Deus sobre as forças da natureza, sobre os corações e sobre os próprios demônios, os quais tantas vezes os gentios cultuavam como deuses. É este o motivo de São Marcos citar muitos milagres não relatados nos outros sinópticos, a ponto de seu livro ser conhecido como o Evangelho dos Milagres.9
Cumpre-se a antiga profecia
2 Está escrito no Livro do Profeta Isaías: “Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’”
São João inicia seu Evangelho remontando-se à geração eterna do Verbo. São Mateus dedica os primeiros versículos do seu a enumerar os antepassados do Messias segundo a carne. E São Lucas abre sua narração contando em detalhes a miraculosa concepção de João Batista, prelúdio da Encarnação de Cristo no seio da Virgem Santíssima, por obra do Espírito Santo.
O de São Marcos, porém, o mais breve dos quatro, abre-se com as preliminares do ministério público de Jesus. “Era natural que o discípulo preferido de São Pedro começasse seu relato no ponto onde o Príncipe dos Apóstolos colocava o início da pregação evangélica”,10 observa Fillion.
Para introduzir o tema, ele proclama com solenidade uma das frases de Isaías relembradas na primeira leitura. Nela, o Antigo e o Novo Testamento, por assim dizer, se osculam reverentes. A “voz daquele que grita no deserto” toma vida concreta na pessoa do Precursor. A profecia anunciadora da libertação do jugo babilônico reveste-se de um sentido muito mais atual e profundo: a necessidade da conversão e da emenda de vida diante do anúncio da Boa-nova que vai começar.
O maior dos homens e dos profetas
4 Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam os seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 6 João se vestia com uma pele de camelo e comia gafanhotos e mel do campo.
A vestimenta e os hábitos do Batista destoavam muito dos costumes daquela sociedade. Ele “representava a penitência; representava, portanto, o jejum, a flagelação, a solidão no deserto, a mortificação. E por causa disso seu corpo tinha a pele bronzeada por mil sóis ardentes do Oriente Médio. Ele era forte e, entretanto, muito magro, de tal maneira os jejuns o haviam consumido. Era também a própria representação da severidade cheia de bondade”.11
Deambular por regiões despovoadas, vestido com a áspera pele de camelo, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, constituíam sinais inequívocos de vida ascética. Antes já se tinham espalhado “por todas as montanhas da Judeia” (Lc 1, 65) as miraculosas circunstâncias do seu nascimento. Tudo isso contribuiu para fixar na opinião pública a figura de uma pessoa completamente incomum.
Não por acaso retirou-se ele para o deserto, lugar tantas vezes escolhido por Deus para Se comunicar com os homens. O isolamento proporciona uma perspectiva de eternidade muito difícil de alcançar no meio das agitações da vida social. Bem sabiam disso os anacoretas, como Santo Antão, os quais fugiam do convívio humano e se instalavam em lugares ermos, em busca de condições mais favoráveis para o contato com o sobrenatural.
A nobreza de alma e o desprendimento do Precursor são postos em realce por essa escolha. Sendo parente do Messias — a Virgem Maria era prima de sua mãe, Santa Isabel —, podia ele perfeitamente ter permanecido na casa de seus pais, beneficiando-se de um convívio mais próximo com Jesus. Mas, dócil ao sopro do Espírito Santo, tomou o caminho do deserto, dando extraordinário exemplo de flexibilidade à voz da graça.
São João Batista foi, em suma, uma figura ímpar na história de Israel. O tetrarca Herodes o considerava homem justo e santo, e o protegia. Temia-o e gostava de ouvi-lo, embora suas palavras o deixassem desconcertado. Seus ouvintes chegaram a se perguntar se ele não era o Cristo. Contudo, o maior dos elogios feitos ao Precursor saiu dos lábios divinos de Nosso Senhor: “entre os nascidos de mulher não há maior que João” (Lc 7, 28).
Com efeito, dentre todos os profetas do Antigo Testamento, só ele teve a incomparável glória de encontrar-se pessoalmente com o Divino Salvador e apontá-Lo em termos inteiramente claros: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).
A alma desse mensageiro tinha de estar à altura da sua missão. Superior a Abraão, a Moisés e ao próprio Isaías, a Divina Providência quis fazer dele o arauto por antonomásia. “Deus quer que ele seja grande porque sua missão é grande, porque foi escolhido para preceder tão de perto Aquele que deve vir”.12
Uma nação convulsionada pela pregação de João
Ao encontro do Batista acudiam, como vimos em São Marcos, habitantes de “toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém”. A esses se somaram pessoas “de toda a circunvizinhança do Jordão” (Mt 3, 5) e até galileus, como André, o irmão de Simão (cf. Jo 1, 35-42).
“Podemos imaginar” — observa Bento XVI — “a impressão extraordinária que a figura e a mensagem de João Batista deviam provocar na efervescente atmosfera de Jerusalém daquela época. Finalmente estava de novo ali um profeta, cuja própria vida o identificava como tal. Finalmente se anuncia de novo a ação de Deus na História”.13
Movido por um impulso sobrenatural, o povo judeu sentia haver naquela figura austera o prenúncio de algo grandioso. Por isso acorriam todos a confessar-lhe suas faltas e receber o batismo de suas mãos. A pregação de João convulsionara essa nação que há cerca de quatrocentos anos não ouvia a voz de um profeta e precisava ser preparada para receber o Messias.
O Precursor produzia um verdadeiro choque naquelas pessoas acostumadas a se preocupar exclusivamente com as coisas da Terra, adoradoras do conforto e da vida agradável. Ao contrário da maioria dos seus ouvintes, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, “ele é desprendido, é um facho ardente de amor a Deus. Só vive para a realização da missão que ele tem. Só tem Deus diante dos olhos”.14
E o mesmo autor acrescenta: “Àquele povo que esperava um Messias temporal, um rei poderoso, João aparecia falando do Messias. De um Messias que era anunciado não por um guerreiro, nem por um potentado, mas por um penitente.
“O contraste dos homens impuros e gananciosos com aquele homem reto, simples, eloquente, e que bradava ‘Fazei penitência!’, deixava as consciências profundamente abaladas. São João Batista despertava um enorme sentimento de vergonha. No contato com ele, as pessoas compreendiam que não podiam ser assim. E o Precursor completava o efeito, dizendo: ‘Endireitai os caminhos do Senhor… Aí vem o Messias… O dia de Deus está próximo’”.15
Entreabrem-se as portas da Revelação
7 E pregava, dizendo: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8 Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo”.
Ao fazer tal afirmação, o Batista dá ideia da força moral, espiritual e sobrenatural d’Aquele que haveria de vir. E mostra, ao mesmo tempo, a humildade de sua alma, pois competia aos servos “desamarrar as sandálias” e lavar os pés dos visitantes.
Podemos imaginar o impacto produzido por semelhante asserção nos seus ouvintes, acostumados a vê-lo enfrentar com energia fariseus e saduceus. “O machado já está posto à raiz das árvores: toda árvore que não produzir bons frutos será cortada e lançada ao fogo” (Mt 3, 10), ameaçava-os sem temor. Maravilhados, sem dúvida, com seus ensinamentos, procuravam os discípulos do Precursor imaginar a grandeza desse outro personagem de tal maneira superior a ele.
No entanto, enquanto preparava o povo judeu para seu encontro com o Messias, São João Batista foi entreabrindo as portas da Revelação que o próprio Filho de Deus vinha trazer. Já nestes versículos transparece o dogma da Santíssima Trindade. Neles estão presentes, de algum modo, o Pai, Deus do povo eleito, o Filho, que estava sendo anunciado, e o Espírito Santo, aqui mencionado junto com o anúncio do Batismo sacramental. São João revela-se, de fato, como um homem inspirado por Deus, pois demonstra conhecer um dos principais mistérios da Fé, antes mesmo da pregação do Divino Mestre.
Ao dar início a vida pública de Jesus, o Precursor vai paulatinamente desaparecer: “Nisso consiste a minha alegria, que agora se completa. Importa que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3, 29-30), vai afirmar. E, logo após, deixará como derradeiro ensinamento um dos mais belos reconhecimentos da divindade de Cristo:
“Aquele que vem de cima é superior a todos. Aquele que vem da Terra é terreno e fala de coisas terrenas. Aquele que vem do Céu é superior a todos. Ele testemunha as coisas que viu e ouviu, mas ninguém recebe o seu testemunho. Aquele que recebe o seu testemunho confirma que Deus é verdadeiro. Com efeito, Aquele que Deus enviou fala a linguagem de Deus, porque Ele concede o Espírito sem medidas. O Pai ama o Filho e confiou-Lhe todas as coisas. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus” (Jo 3, 31-36).
III – Uma entrega que prepara a alma para o Natal
O tempo litúrgico do Advento nos leva a participar, de certa forma, dos anseios de todos quantos no Antigo Testamento aguardaram com fidelidade a vinda do Messias, e a viver o clima de grandiosa expectativa alentado pelo Precursor.
Necessidade de “conversão incessante”
Passaram-se dois mil anos desse acontecimento histórico, todavia para Deus não há ontem nem amanhã, e sim apenas um eterno “hoje”. Como dos israelitas cativos na Babilônia, ou dos judeus da época de Jesus, Ele espera de nós a conversão.
Desejando que ninguém se perca, o Criador usa de paciência para conosco enquanto espera nos encontrar “numa vida pura e sem mancha e em paz” (II Pd 3, 14), como afirma São Pedro na segunda leitura de hoje. Para isso, Deus nos convida, poder-se-ia dizer, a cada hora, cada minuto, cada segundo, a nos emendarmos de nossos desvios e imperfeições.
À primeira conversão deve seguir-se uma conversão incessante. Não basta dizer: “Sou cristão. Já me converti!”. Ou como o jovem rico do Evangelho: “tudo isso tenho observado desde a minha mocidade” (Mc 10, 20). Ou quiçá: “Confessei-me e passei do estado de pecado mortal para o estado de graça”. É preciso que a cada dia cresça nosso amor.
Portanto, por muito que alguém progrida nas vias da virtude, sempre haverá pontos nos quais é possível melhorar. Nosso Senhor nos convida a estarmos com os olhos continuamente postos no plus ultra, no “duc in altum” (Lc 5, 4), isto é, ousando sempre lançar as redes mais longe, com o coração transbordante de grandes desejos para a máxima glória de Deus.
Solução ao alcance de qualquer um de nós
Analisando as coisas por este prisma, cabe perguntar: não teremos nós algo concreto a entregar a Jesus antes de comemorarmos mais uma vez, neste ano, o seu nascimento na Gruta de Belém? Talvez o rompimento de uma amizade inconveniente ou perigosa, por cuja causa nos afastamos d’Ele, ou quiçá a renúncia ao desmedido apego a um determinado bem, ou alguma situação, que com frequência acaba por nos conduzir ao pecado. A Liturgia nos inspira hoje a depor aos pés da Virgem Mãe qualquer defeito capaz de nos impedir de receber com ardente devoção o Menino Deus.
Não temos obrigação de, neste Advento, nos esforçarmos para acondicionar do melhor modo possível a “gruta” da nossa alma, a fim de Jesus não encontrar nela um ambiente mais frio e inóspito que o da Gruta de Belém? Examinemo-nos com cuidado para saber a quantas andamos nesse sentido. Haverá sem dúvida falhas a sanar em nosso procedimento. Quais? E desvios a retificar em nossa vida. Quais?
Se, feito esse balanço, o resultado nos for desfavorável e não sentirmos ânimo suficiente para corrigir esses defeitos, a solução está ao alcance de qualquer um de nós: recorrer com filial confiança a Nossa Senhora, Refúgio dos Pecadores. Ela nos obterá de seu Divino Filho graças para uma completa vitória sobre todas as nossas falhas e desvios. Pois Jesus Cristo — que quis permanecer cativo durante nove meses em seu seio puríssimo, dependendo d’Ela em todas as coisas, e A coroou como Rainha do Céu e da Terra — não deixará de atender as súplicas por Ela feitas em favor de seus devotos.
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1) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Compendium Theologiæ. L.I, c.142.
2) Idem, ibidem.
3) MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Le bon grain et l’ivraie. In: Conférences de Notre-Dame de Paris. Retraites Pascales 1881-1882. 6.ed. Paris: P. Lethielleux, 1905, v.V, p.25-26.
4) MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. L’infalibilité, la sainteté et le mal. In: Exposition du Dogme Catholique. Gouvernement de Dieu. Carême 1876. 9.ed. Paris: L’Année Dominicaine, 1892, v.VI, p.205-206.
5) Cf. SÃO JUSTINO. Dialogus cum Tryphone. C.CVI, n.1: MG 6, 201-201.
6) Cf. EUSÉBIO DE CESAREIA. Historia Eclesiástica. L.III, c.39, n.15. Madrid: BAC, 1973, v.I, p.194.
7) CABALLERO, SJ, José. Introducción. In: MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.3.
8) Cf. EUSÉBIO DE CESAREIA, op. cit., L.II, c.15, n.1, p.88.
9) Cf. FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.194.
10) Idem, p.197.
11) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 17 nov. 1972.
12) BEATO COLUMBA MARMIÓN. Jesus Cristo nos seus mistérios. Conferências espirituais. 2.ed. Lisboa: Ora & Labora, 1951, p.122.
13) BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007, p.31.
14) CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit.
15) Idem, ibidem.