Liturgia

8 de Outubro

XXVII Domingo do Tempo Comum – Ano A

MISSA

ANTÍFONA DE ENTRADA Est 13, 9.10-11

Senhor, Deus omnipotente,
tudo está sujeito ao vosso poder
e ninguém pode resistir à vossa vontade.
Vós criastes o céu e a terra e todas as maravilhas
que estão sob o firmamento.
Vós sois o Senhor do universo.

ORAÇÃO COLECTA
Deus eterno e omnipotente, que, no vosso amor infinito,
cumulais de bens os que Vos imploram
muito além dos seus méritos e desejos, pela vossa misericórdia,
libertai a nossa consciência de toda a inquietação
e dai-nos o que nem sequer ousamos pedir.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I Is 5, 1-7
«A vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel»

Leitura do Livro de Isaías
Vou cantar, em nome do meu amigo, um cântico de amor à sua vinha. O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina. Lavrou-a e limpou-a das pedras, plantou-a de cepas escolhidas. No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar. Esperava que viesse a dar uvas, mas ela só produziu agraços. E agora, habitantes de Jerusalém, e vós, homens de Judá, sede juízes entre mim e a minha vinha: Que mais podia fazer à minha vinha que não tivesse feito? Quando eu esperava que viesse a dar uvas, porque é que apenas produziu agraços? Agora vos direi o que vou fazer à minha vinha: vou tirar-lhe a vedação e será devastada; vou demolir-lhe o muro e será espezinhada. Farei dela um terreno deserto: não voltará a ser podada nem cavada, e nela crescerão silvas e espinheiros; e hei-de mandar às nuvens que sobre ela não deixem cair chuva. A vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida. Ele esperava rectidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror.
Palavra do Senhor.

SALMO RESPONSORIAL Salmo 79 (80), 9.12.13-14.15-16.19-20
(R. Is 5, 7a)
Refrão: A vinha do Senhor é a casa de Israel. Repete-se

Arrancastes uma videira do Egipto,
expulsastes as nações para a transplantar.
Estendia até ao mar as suas vergônteas
e até ao rio os seus rebentos. Refrão

Porque lhe destruístes a vedação,
de modo que a vindime
quem quer que passe pelo caminho?
Devastou-a o javali da selva
e serviu de pasto aos animais do campo. Refrão

Deus dos Exércitos, vinde de novo,
olhai dos céus e vede, visitai esta vinha.
Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou,
o rebento que fortalecestes para Vós. Refrão

Não mais nos apartaremos de Vós:
fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome.
Senhor Deus dos Exércitos, fazei-nos voltar,
iluminai o vosso rosto e seremos salvos. Refrão

LEITURA II Filip 4, 6-9
«Ponde isto em prática e o Deus da paz estará convosco»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos: Não vos inquieteis com coisa alguma. Mas, em todas as circunstâncias, apresentai os vossos pedidos diante de Deus, com orações, súplicas e acções de graças. E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus. Quanto ao resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor é o que deveis ter no pensamento. O que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim é o que deveis praticar. E o Deus da paz estará convosco.
Palavra do Senhor.

ALELUIA cf. Jo 15, 16
Refrão: Aleluia. Repete-se
Eu vos escolhi do mundo, para que vades e deis fruto
e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor. Refrão

EVANGELHO Mt 21, 33-43
«Arrendará a vinha a outros vinhateiros»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Ouvi outra parábola: Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos. Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos, espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no. Tornou ele a mandar outros servos, em maior número que os primeiros. E eles trataram-nos do mesmo modo. Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo: ‘Respeitarão o meu filho’. Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no. Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?». Eles responderam: «Mandará matar sem piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entreguem os frutos a seu tempo». Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’? Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos».
Palavra da salvação.

ORAÇÃO DOS FIÉIS

Irmãos e irmãs: Unidos a Cristo, como as vides ligadas à cepa, que as faz viver, peçamos ao Senhor a graça de dar fruto abundante, dizendo (ou: cantando), com fé e humildade:

R. Abençoai, Senhor, o vosso povo.

Ou: Ouvi, Senhor, a nossa oração.

Ou: Pela vossa misericórdia, ouvi-nos, Senhor.

1. Pelos cristãos da nossa Diocese de N., para que sejam verdadeiros, justos e puros, e ponham em prática o que escutaram na Palavra, oremos.

2. Pelos governantes dos países mais poderosos, para que assegurem a paz entre as nações e edifiquem um mundo novo aberto a Cristo, oremos.

3. Pelo povo de Israel, vinha de Deus, plantada de cepas escolhidas, para que descubra em Jesus o Salvador, oremos.

4. Pelos estudantes que iniciaram um novo ano, para que o estudo dedicado e persistente lhes obtenha grandes alegrias, oremos.

5. Por nós próprios e pela nossa comunidade (paroquial), para que o Espírito Santo nos ensine a orar, a suplicar e a dar graças, oremos.

Senhor, Deus do universo, olhai dos Céus e vede esta vinha que a vossa mão direita plantou e fazei-nos encontrar na Eucaristia a seiva que nos faz produzir frutos de vida eterna. Por Cristo Senhor nosso

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Aceitai, Senhor, o sacrifício que Vós mesmo nos mandastes oferecer e, por estes sagrados mistérios que celebramos,
confirmai em nós a obra da redenção. Por Nosso Senhor.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO Lam 3, 25
O Senhor é bom para quem n’Ele confia,
para a alma que O procura.

Ou cf. 1 Cor 10, 17
Porque há um só pão, todos somos um só corpo,
nós que participamos do mesmo cálice e do mesmo pão.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Deus todo-poderoso,
que neste sacramento saciais a nossa fome e a nossa sede,
fazei que, ao comungarmos o Corpo e o Sangue do vosso Filho, nos transformemos n’Aquele que recebemos.
Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

 

 

Excertos do livro “O inédito sobre os Evangelhos”
de autoria do Mons. João Scognamiglio Clá Dias, E.P.

A grave responsabilidade dos que cuidam da vinha do Senhor

Do mesmo modo que outrora ao povo eleito, Deus nos trata
como uma vinha escolhida para mais facilmente alcançarmos
a bem-aventurança eterna. Que frutos daremos ao seu Dono?

I – A vinha, símbolo de realidades sobrenaturais

Em nossos dias, por vivermos numa civilização exces­sivamente industrializada, nem todos estamos fami­liarizados com o processo da produção de vinho, e é possível que para muitos a figura da vinha não tenha maior sig­nificado. Hoje compramos esta bebida já engarrafada, talvez desconhecendo vários detalhes do longo processo iniciado com a uva. É uma tarefa que exige esforço, dedicação e conheci­mento dos segredos do cultivo de cada tipo de vide, do melhor modo de cuidá-la e da época certa para a vindima, segundo a qualidade do vinho que se deseja obter. É preciso levar as uvas para um lagar, espremê-las — o método tradicional consiste em pisá-las —, deixar repousar o mosto até a fermentação e de­cantá-lo para então ser, eventualmente, depositado em barris, em certos casos durante anos, e, por fim, ser envasado. Trata­-se de uma arte que só se adquire depois de longa experiência, acumulada no decorrer de gerações em que a tradição familiar vai aprimorando as técnicas: é o métier dos vinicultores. Assim, eles acabam criando enorme apreço por seus vinhedos.

Ora, Deus idealizou e criou a uva, impulsionando o ho­mem ao seu cultivo, para que representasse a realidade ― quão mais elevada! ― de sua rela­ção com o povo eleito, como veremos nas leituras do 27º Domingo do Tempo Comum.

Israel, vinha escolhida do Senhor

O cultivo da vide se ha­via estendido amplamente na Terra Prometida e em outras regiões do mundo antigo, desde épocas remotas. Ainda que o quintal da casa fosse muito pequeno, não faltava lugar para alguma videira; e mesmo que seus cachos pro­duzissem uma só talha de vi­nho, isso bastava para fazer a alegria da família, sobre­tudo por ter sido preparado por seus próprios membros. Entretanto, para se ter uma vinha considerável era mister dispor de boa terra, vigiá-la e defendê-la contra ladrões e animais. Com este objetivo costumava-se nela edificar um posto de guarda, além de circundá-la com uma cerca ― como ainda se faz em diversos lugares ― construída com as pedras soltas retiradas do ter­reno, de forma a constituírem uma pequena muralha.

“A vinha do Senhor é a casa de Israel” (Is 5, 7a), diz o refrão do Salmo Responsorial, que continua com eloquência: “Arrancastes do Egito esta videira, expulsastes as nações para plantá-la; até o mar se estenderam seus sarmentos, até o rio os seus rebentos se espalharam” (Sl 79, 9.12). Foi o que de fato aconteceu, pois Ele tirou os israelitas da escravidão e expulsou os povos que habitavam Canaã para ali instalar a sua vinha, en­tregando-lhes aquela terra desde o Mar Mediterrâneo até seus longínquos confins. Israel, separado dentre todas as nações para ser o povo predileto, cumulado de privilégios e de dons, mais tarde seria chamado a converter os outros. Deus firmou com ele uma aliança e prometeu protegê-lo, se cumprisse a Lei, praticas­se o culto e não se entregasse à idolatria. Enfim, como recorda a primeira leitura (Is 5, 1-7), extraída do Livro do Profeta Isaías, era uma vinha especialmente escolhida e cuidada pelo Senhor.

Por seus frutos ruins, Deus abandona a vinha

Todavia, pelos lábios do profeta Ele lamenta que a videira não tenha dado os frutos desejados: “esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens” (Is 5, 2). Estas não servem para elaborar vinho, nem sequer como alimento, pois são agrazes. Quando consumidas deixam o céu da boca áspero, os dentes em­botados e a língua com uma acidez e um ardor que fazem perder o paladar. Isaías compõe este poema em meio às festas do início do outono, período da colheita das uvas, na exata quadra histórica em que a Assíria ameaçava invadir Israel, que em pouco tempo seria deportado para outras regiões.1 É então que Deus cobra dos he­breus todos os benefícios de que foram objeto, dizendo: “O que po­deria Eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz? […] Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá sua dileta plantação; eu esperava deles frutos de justiça ― e eis in­justiça; esperava obras de bondade ― e eis iniquidade” (Is 5, 4.7).

Quando temos um ente querido sobre o qual deitamos rios de benevolência, embora o façamos com desinteresse, sem visar a reciprocidade, o instinto de sociabilidade pede de algum modo uma devolução. E, em consequência, nada há de mais duro que sermos retribuídos com o mal. É uma das provas mais terríveis e dolorosas que existem!

Deus amou seus eleitos de uma maneira extraordinária e queria ver florescer a santidade entre eles, porém só Lhe deram os amargos frutos do pecado. E assim como os grãos de sal se dissolvem à medida que são acrescentados a um recipiente com água, até um ponto exato de saturação em que se cristaliza no fundo, ou como um pai tem paciência com o filho desviado até que este ultrapasse os limites e provoque a sua cólera, também Deus decide, em certo momento, castigar o povo rebelde.

A essa punição alude o Salmo Responsorial: “Por que razão vós destruístes sua cerca, para que todos os passantes a vindimem, o javali da mata virgem a devaste, e os animais do descampado nela pastem?” (Sl 79, 13-14). Era o que acontecia aos hebreus ao longo dos séculos: quando a ingratidão atingia um auge, Deus dei­xava cair a cerca e os animais invadiam e arrasavam a vinha, ou seja, Israel era dominado pelos pagãos que o rodeavam, e desgra­ças sem conta lhe eram infligidas para que sentisse que com suas próprias forças não era nada, e só se desenvolvia graças a um dom divino. E conclui o salmista, pedindo auxílio: “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a! Foi a vossa mão direita que a plantou; prote­gei-a, e ao rebento que firmastes! E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus! Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! Convertei­-nos, ó Senhor Deus do universo, e sobre nós iluminai a vossa fa­ce! Se voltardes para nós, seremos salvos!” (Sl 79, 15-16.19-20).

Ambos os textos do Antigo Testamento são complemento ao Evangelho, o qual é muito mais profundo e rico em significado.

II – A vinha, seu Dono e os vinhateiros homicidas

A passagem apresentada neste 27º Domingo do Tempo Comum faz parte da pregação de Nosso Senhor nos úl­timos dias de sua vida mortal, na terça-feira da Semana Santa. Após a entrada triunfal em Jerusalém, no Domingo de Ramos, a luta contra aqueles que tramavam o deicídio tornou-se mais acirrada, a começar pela expulsão dos vendilhões do Tem­plo, prosseguindo com uma série de enfrentamentos públicos, nos quais resplandeceu a divindade de Cristo. São Mateus se distingue dos demais evangelistas pela precisão com que registra toda a contenda, que terá seu auge no capítulo 23.

O Divino Mestre fala aos dirigentes de Israel

Naquele tempo, Jesus disse aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo: 33a “Escutai esta outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas, e construiu uma torre de guarda”.

Nesta parábola Jesus Se dirige às altas autoridades de Is­rael: os sumos sacerdotes e anciãos do povo, nata da sociedade daquele tempo e responsáveis por guiá-la. Todos eram homens letrados, profundos conhecedores da Escritura e, sem dúvida, ao iniciar o Mestre a narração, eles tinham presente a profecia e o Salmo que contemplamos hoje, e muitos outros textos sa­grados, nos quais Israel é comparado a uma vinha (cf. Jr 2, 21; Ez 15, 1-6; 19, 10-14; Os 10, 1; Ct 2, 15; etc.).

Segundo a descrição de Nosso Senhor ― harmônica com as referidas passagens do Antigo Testamento ―, podemos imaginar o protagonista desta parábola como um varão de grande capa­cidade de trabalho e muitas posses, que despendeu cuidados extremos para cultivar sua vinha com a maior perfeição. Colo­cou-a “em fértil encosta” (Is 5, 1) iluminada pelo Sol, onde há arejamento e a água escorre, deixando a terra drenada, o que favorece a produção da uva. Isto significa que Deus deu ao po­vo eleito uma natureza privilegiada e condições propícias para receber o que há de mais valioso: a vida sobrenatural. Limpou convenientemente o terreno e cercou-o (cf. Is 5, 2a), ou seja, removeu da alma dos israelitas certas misérias que prejudica­vam o desenvolvimento da graça e protegeu-os para impedir que outros lhes fizessem qualquer mal. Plantou ainda “videiras escolhidas” (Is 5, 2b), quis cumulá-los de dons extraordinários, tendo em vista que no seio desta nação estava sendo preparada a ascendência d’Aquele que seria o seu Filho Unigênito Encar­nado e de sua Mãe, Maria Santíssima. Como diz São João Cri­sóstomo, “Ele nada omitiu no que dizia respeito à solicitude por eles”.2

Os arrendatários da vinha: novo e principal aspecto da parábola

33b “Depois, arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro”.

Naquele tempo, na Palestina, não era raro o aluguel de terrenos de plantio. Os arrendatários dividiam o lucro com o do­no, pagando o que lhe correspondia conforme o contrato. Não nos esqueçamos de que o esforço para preparar a vinha tinha sido do segundo, o qual havia comprado a terra e montado toda a infraestrutura necessária para dela se tirar proveito.

O presente versículo nos oferece a peculiaridade desta parábola, considerando os demais textos do Antigo Testamento que tratam da vinha, pois não se centra na relação desta com o proprietário, e sim entre ele e os agricultores contratados. A vinha é Israel, o dono é Deus. Ele encarrega alguns de cultivá-la, e parte para longe“para deixar os vinhateiros trabalharem ao seu livre-arbítrio”.3 Eis a realidade pungente e clara: Deus não parece habitar junto aos seus escolhidos nem convive com eles de forma visível, mas põe à sua frente homens notáveis chama­dos a governá-los, autoridades religiosas incumbidas de guiá-los no caminho da salvação. E “assim como o colono, ainda quando cumpre o seu dever, não agradará ao seu amo se não lhe entre­gar as rendas da vinha, assim também o sacerdote não agrada tanto ao Senhor por sua santidade, como ensinando ao povo de Deus a prática da virtude”.4 Deste modo, pelo contexto da pa­rábola, o Divino Mestre evidencia a classe à qual era destinada.

Resumo da histórica infidelidade dos dirigentes do povo

34 “Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos. 35 Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram. 36 O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número do que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma”.

Os empregados, manda­dos pelo senhor da vinha para receber os frutos, simbolizam os profetas enviados por Deus ao longo de toda a história de Israel para cobrar os lucros dos que deveriam reger a nação, de acordo com as determina­ções d’Ele. Não obstante, esses emissários foram perseguidos e mortos ― como o próprio Jesus denunciou (cf. Mt 23, 30-31.37; Lc 11, 47-51) ―, porque sua pregação contrariava as más incli­nações reinantes e, sobretudo, os interesses dos dirigentes da sociedade. Sua presença tornava-se um estorvo que era preciso eliminar. São Jerônimo resume esta reprovável atitude: “golpea­ram-nos como a Jeremias (Jr 37, 15), mataram-nos como a Isaías (Hb 11, 37), lapidaram-nos como a Nabot (I Rs 21, 15) e a Zaca­rias, a quem mataram entre o Templo e o altar (II Cr 24, 21)”.5 É a fúria do pecador contra aqueles que vêm lembrá-lo de que a propriedade do povo eleito pertence a Deus; fúria contra os que representam a Lei e o direito; fúria contra os que exigem o cumprimento da vontade do Senhor. “Por que esse terreno não é nosso?”, queixam-se. É, no fundo, uma inconformidade com a autoridade de Deus.

Jesus profetiza o deicídio

37 “Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho, pensando: ‘Ao meu filho eles vão respeitar’. 38 Os vinhateiros, porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!’ 39 Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram”.

Por fim, num extremo de amor, Deus não manda mais um profeta, mas seu Filho querido para convidar os israelitas a se­rem fiéis à Aliança. No entanto, eles O matam. A parábola neste trecho não poderia ser mais explícita: encontrando-Se próximo à Paixão, não por acaso quis o Divino Mestre deixar bem clara a verdade e fazer uma profecia sobre Si mesmo. Era a ocasião de manifestar que o Senhor dera ao seu povo toda espécie de dons, regalias e proteção, e amparou-o de inúmeras formas. Porém, em determinado momento, vendo que não cuidava da vinha e se utilizava de todos os benefícios para o próprio interesse, e até contra Ele, confia ao seu Filho a missão de convertê-lo. Contu­do, o delírio de tomar posse da herança do dono, a cobiça dos bens alheios, o desejo de apropriação e o ódio à superioridade levam os vinhateiros ― os chefes da nação ― a atentarem con­tra a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.

40 “Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?” 41 Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”.

Os presentes, acostumados ao hábito oriental de conside­rar a interpretação das parábolas como sinal de inteligência e cultura, estavam preocupados em decifrar com acerto as pala­vras do Divino Mestre, que vislumbravam dizer-lhes respeito. Por isso, sem pensar muito, deram uma rápida solução. Não compreenderam que “o Senhor lhes pergunta não porque igno­re o que vão responder, mas para que se condenem com sua pró­pria resposta”.6 O veredicto dos sumos sacerdotes e dos anciãos do povo era na verdade uma acusação, como tornam patente as posteriores palavras de Nosso Senhor. Como comenta São João Crisóstomo, “eles pronunciaram uma sentença contra si mes­mos […]. E, justamente, se [Jesus] lhes propôs uma parábola, foi porque queria que eles pronunciassem sua sentença. Foi o que aconteceu a Davi, quando ele próprio sentenciou na parábola do profeta Natã”.7

O Pai exaltará o Filho assassinado

42 Então Jesus lhes disse: “Vós nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?’ 43 Por isso, Eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos”.

Na construção das casas do tempo havia pedras postas nos ângulos para fixar e manter as demais, conferindo firmeza ao edifício. Para este fim eram usadas as de maiores dimensões, pois tinham a função de sustentar a construção, e, por suas ca­racterísticas peculiares, às vezes não eram adequadas nas ante­riores etapas da obra. Isto ocorria, sobretudo, no caso das pe­dras que rematavam as cúpulas. Ao usar esta figura como sím­bolo de Si mesmo, o Redentor mostra que o Filho, a quem eles recusaram e haveriam de matar, Deus O põe no mais alto pata­mar. E, aplicando a parábola diretamente a seus interlocutores, os adverte de que, por não terem dado os frutos que deveriam, serão desprezados, postos de lado e privados de seus privilégios, que serão transferidos a outros povos.

A parábola é lindíssima e tão clara — ao contrário de outras, à primeira vista misteriosas para o público — que nem sequer os Apóstolos ou aqueles a quem era dirigida pediram a Jesus sua explicação. Tais destinatários, ademais, receavam que Ele manifestasse de maneira ainda mais categórica a grave acu­sação que sobre eles pesava.

Deus castiga os indivíduos e os povos

A conclusão de Jesus deixa patente como o Senhor não só castiga em plano individual aqueles que, dando-Lhe as costas, abraçam as vias da perdição, mas chamará a juízo também as nações. Assim sendo, a parábola contém uma lição para o nosso tempo, pois parece evidente que Ele pode punir a humanidade. Hoje comprovamos que o relativismo, o materialismo, o egoís­mo, a falta de virtude e de amor a Deus tomaram conta do mun­do, o qual está pervadido por um espírito oposto ao d’Ele e se tornou como a vinha escolhida que não deu as uvas desejadas. É possível que essa videira receba a recompensa descrita na pri­meira leitura e no Evangelho.

Por tal motivo convém escutar, na segunda leitura (Fl 4, 6-9), a exortação de São Paulo na Epístola aos Filipen­ses: “ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, jus­to, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor” (4, 8). É a pureza de alma que falta a este mundo, onde se cometem pecados ovantes contra a castidade, são adotadas modas cada vez mais impudicas, presencia-se a dis­solução familiar e o desaparecimento da virgindade. Tudo isso vai atraindo a indignação de Deus e, se não houver um surto de conversão que sustente o braço da cólera divina, ignoramos o que sobrevirá sobre nossa geração. Uma vez que Ele não tole­ra o pecado, quando intervirá? Não sabemos, mas devemos nos compenetrar pessoalmente da importância de praticar a virtude, seja em família ou na vida consagrada, com espírito de oração, fé e piedade, pedindo que o Senhor Se compadeça de nós e con­ceda graças especialíssimas para haver uma mudança no rumo dos acontecimentos. Só assim “a paz de Deus” (Fl 4, 7) estará conosco, e não a sua ira.

III – Nós também somos vinha do Senhor

Os comentários sobre este Evangelho ficariam incomple­tos se limitássemos a sua aplicação àqueles que plane­jaram a morte de Cristo, ou mesmo à humanidade em seu conjunto. Na parábola dos vinhateiros homicidas cumpre encontrarmos uma lição para cada um de nós, pois as palavras de Nosso Senhor ecoam para os homens de todas as épocas his­tóricas. Com efeito, a vinha de que fala a Liturgia pode ser con­siderada a alma de todo católico, a quem Deus ama com predi­leção, a ponto de lhe dirigir a pergunta: “O que poderia Eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz?”.

Os dotes que recebemos, desde o ser, a inteligência, a von­tade, a sensibilidade, a vocação específica, tudo nos é entregue pelo Senhor da vinha. Dentre estes favores, nenhum é digno de maior apreço que a vida divina, como ensina São Rábano Mau­ro: “Em sentido moral, a cada um se entrega sua vinha para que a cultive, ao ser-lhe administrado o Sacramento do Batismo, a fim de que trabalhe por meio dele. É-lhe enviado um servo, ou­tro e um terceiro, quando a Lei, o Salmo e a profecia falam, e em virtude de cujos ensinamentos deve-se agir bem. Mas o enviado é morto e lançado fora, se despreza a sua pregação ou, o que é pior, se blasfema contra ele. Mata o herdeiro que traz em si todo aquele que ultraja o Filho de Deus e ofende o Espírito de sua graça. Uma vez perdido o mau cultivador, a vinha é entregue a outro, como acontece com o dom da graça, que o soberbo me­nospreza e o humilde recolhe”.

Deus vela sempre por nós e, ao longo dos anos, nos trata com muito mais carinho, vigilância e amor do que qualquer vi­nhateiro no que se refere à sua plantação. Ele vai preparando as circunstâncias, atendendo, colocando anteparos para que os obstáculos não nos façam cair. Em troca, o que espera de nós? Que sejamos uma videira que dê o fruto excelente das obras de perfeição, do qual saia depois o bom vinho da santidade. Por isso virá cobrar os frutos. Cabe-nos trabalhar para produzi­-los, conscientes de que tudo quanto possuímos tem sua origem n’Ele. Até mesmo a força para praticar a virtude nos é incutida por Deus, como um dom que nos permite adquirir méritos com vistas à nossa eterna salvação.

Um oportuno exame de consciência

Como cuido, então, desta vinha que sou eu? Zelo por ela com todo o esmero e restituo a Deus o que Lhe pertence? Es­tou constantemente com a atenção posta nas realidades sobre­naturais, com desejo de beneficiar o próximo, compenetrado de que fui chamado a dar glória a Deus e reparar o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria dos inúmeros pecados que hoje se cometem? Estou atento à chegada dos empregados do Dono da vinha? Uma palavra dita do púlpito, um conselho de alguém que busca a minha santificação, uma admoestação da consciência… Mais ainda, os rogos de Nossa Senhora e o amparo do meu Anjo da Guarda. O que eu faço a esses empregados? Apedrejo-os, ba­to neles e os mato, sufocando sua voz? Pois se não quero de mo­do algum entregar a Deus o que é d’Ele e uso de seus dons para o meu gozo pessoal ou, pior, para ofendê-Lo, estou, no fundo, batendo, apedrejando, matando os empregados, e até o Filho do Divino Dono. É indispensável precaver-me, porque o Reino dos Céus que recebi no dia de meu Batismo poderá ser-me retirado e dado a outros.

Quanta matéria para um exame de consciência! Como me encontro agora? Diante destas palavras, qual é a minha reação? Estou me esquivando, desvio a atenção ou coloco-me diante da obrigação de prestar contas pela vinha que sou eu? Se a consciên­cia me acusar, devo lembrar-me do ensinamento de São Paulo, na segunda leitura: “Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamen­to em Cristo Jesus” (Fl 4, 6-7). Graças à maternal intercessão de Maria Santíssima tudo tem solução, desde que eu reconheça que procedi mal e preciso mudar de vida. Peçamos a Nossa Senhora, então, misericórdia e forças para nos emendarmos e aderirmos com entusiasmo à vontade do Dono da vinha.

 

 

1) Cf. GALLEGO, Epifanio. El movimiento profético. Isaías. In: GONZÁLEZ, Án­gel et al. Comentarios a la Biblia Litúrgica. Antiguo Testamento. 4.ed. Madrid-Barce­lona-Estella: Paulinas; PPC; Regina; Verbo Divino, 1990, p.615-616.

2) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXVIII, n.1. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.II, p.387.

3) SÃO JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L.III (16,13-22,40), c.21, n.51. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v.II, p.299.

 

4) AUTOR INCERTO. Opus imperfectum in Matthæum. Homilia XL, c.21: MG 56, 854.

5) SÃO JERÔNIMO, op. cit., p.299.

6) Idem, p.301.

7) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, op. cit., n.2, p.390-391.

8) SÃO RÁBANO MAURO. Commentariorum in Matthæum. L.VI, c.21: ML 107, 1053.

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